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29.9.08

amarelo ocre.



Não era dia, nem noite
navegávamos num nenúfar
sem brisa, garoa ou neblina
num campo de águas rasas
turvas seriam não fossem teu semblante
ficaria assim eternamente
nesta vida que é sonho
sem horas, sem nomes, sem concreto
mesmo sem me tocar senti
que aquilo era a fuga de nossas almas
o encontro que por indecência desta vida ingrata
não passou de sugestão
minha e de minhas conjecturas
era você
e pela primeira vez soube
que eu era tua, nasci pra ser tua,
que antes de conhecer-te já guardava-me pra ti
nossas matérias próximas, não unidas
fez-me entender o poder da transcendência
finalmente
tua existência penetrou na minha
suguei teus medos, conflitos e fardos
e teus pecados preencheram meus vãos
sou tua, mais uma vez sou tua
tua foi o que nunca fui
tua foi aquilo que nunca cogitou
foi curto e infinito
para mim que assim o vejo
mas para ti aquilo fora um sonho
sem sentido, sem gracejo, sem forma
foi um daqueles de que nunca recordarás
em mim ficará guardado
e para saber o prazo
de nada adianta verificar meu verso.

17.9.08

o sonho da grande oca.

Assistindo ao documentário “O povo brasileiro”, produzido a partir da obra de Darcy Ribeiro, conseguimos perceber o quão diferente é a nossa vida quando comparada a de nossos antepassados, e compreender um pouco melhor os costumes e tradições dos índios que aqui estavam antes do Brasil ser enfim “descoberto”.
Um documentário cheio de detalhes e informações curiosas sobre os costumes indígenas, e que com certeza merece a atenção de qualquer um que tenha o mínimo de interessa na história de nosso país. Nele, dentre os vários comentários de jornalistas e pesquisadores, o que mais me chocou foi o comentário de Washington Novaes, quando diz que “o sonho do índio não se distingue da realidade”. Esta frase nos traz um choque de indignação e ao mesmo tempo nos faz pensar nas coisas que eram e ainda são importantes para os índios, e que para nós hoje já não são mais, ou o contrário, que também é válido.
Um índio não sonha? Ou será que nós é que não sabemos sonhar, e desejamos o que não é de nossa natureza?
A definição de sonho com o passar do tempo tem sido cada vez mais ligada à mesquinhez e à ambição de conseguir algo que em outros tempos não teria valor nenhum, como o dinheiro, o luxo e o status. Como um estagiário que sonha ser efetivo, o efetivo que sonha ser chefe e o chefe sonha em sempre continuar sendo chefe. Assim sua mulher também o sonha, para enfim realizar o sonho de um Mercedes na garagem e uma cobertura em Copacabana.
Os valores entre o povo brasileiro da época do descobrimento e de hoje em dia são completamente contraditórios, e nos faz ver o quão pobre se tornaram nossos pensamentos e objetivos. No mundo de hoje, onde a principal preocupação da maioria dos que aqui vivem é a beleza e o capital, até o canibalismo dos índios nos parece natural, pois assim como eles devoravam uns aos outros, nós também o fazemos aqui, mas de forma figurada, com a briga pelo poder, o desrespeito pelo próximo, a ganância, a concorrência, a falta de honestidade e outras atitudes da qual muitos ao menos sentem vergonha.
Quem então há de julgar se somos nós ou nossos antepassados indígenas que estão certos?
A natureza dos índios não se refere somente ao lugar onde vivem e o ambiente que os cercam, mas se refere principalmente às atitudes de respeito com o próximo, no amor que têm pela vida e na pureza de seus atos.
Teríamos sorte se todos nós pudéssemos aprender com os índios como viver em sociedade, cada um com sua tarefa, trabalhando não apenas por si, mas por toda a comunidade.
Quem dera então que nosso palácio do planalto pudesse ser transformado em uma grande oca, e que quem lá está pudesse construir com as mãos, que nos dias de hoje são usadas apenas para “cuidar” do dinheiro do povo.

12.9.08

cegueira.

O grande dia chegou. Chegou e passou, há mais de uma semana.
Pré-estréia recheada de críticos e intelectuais de rostos vis, que mal podiam esconder a ansiedade de desenvolver uma opinião sobre a tão falada dramatização de uma das maiores obras literárias já escritas.
A fidelidade nos detalhes foi perfeita e contínua. Cada diálogo era como se já estivesse na cabeça, que espalhava pelo corpo fazendo com que os poros se revelassem num arrepio que não queria mais deixar-me.
O declive da metade do filme em diante é evidente, o projetor parecia estar quebrado, fazendo com que o filme corresse, pulando pontos que com certeza deveriam ter recebido maior dedicação do diretor. A cena que se passa na igreja com certeza é uma delas, no livro o momento ápice de minha emoção, e no filme apenas uma cena da qual ninguém sentiria falta.
Comparado ao romance faltou muito, não se pode negar, mas isso está longe de tirar o brilho do fantástico trabalho feito por Fernando Meireles, que conseguiu filmar um filme infilmável, fez com que a belíssima obra de Saramago pudesse ser vista não só naquele círculo fechado e selecionado do pequeno mundo “culto”, não se sabe se só por vaidade ou por determinação, isso talvez nunca ninguém saiba.
Hoje ainda pela manhã, lendo a Ilustrada da Folha vi que o filme foi classificado como “regular”. Foi como se aquela velha frase de Fernando Pessoa tivesse brotado de algum lugar aqui dentro, e sussurrei “Arre! Estou farto de semi-deuses!”. Ri sozinha.
Não quero julgar a crítica ou o conhecimento de quem lá esteve a avaliar o filme, mas há de se entender que cada obra artística e literária não envolve somente técnica, mas principalmente paixão.